TCE-MS e o “ajuste” de salários: como dobrar vencimentos sem ninguém perceber

O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, sob a liderança de Flávio Kayatt, parece ter encontrado uma fórmula infalível para reajustar os salários de seus conselheiros em proporções que fariam qualquer aumento salarial parecer modesto. O mais recente aumento de 89%, que elevou o subsídio dos conselheiros de R$ 22,1 mil para R$ 41,8 mil, foi concedido sem um pingo de vergonha e, segundo Kayatt, tudo dentro da “legalidade”. Para ele, esse aumento segue a mesma sistemática usada pelo Tribunal de Justiça do Estado, que realiza alterações no valor dos subsídios através de resoluções internas. E, como sempre, o TCE-MS alega que está tudo correto, já que a resolução do tribunal se inspira no que se pratica em outros órgãos, como o Supremo Tribunal Federal.

Com um discurso técnico, Flávio Kayatt afirma que não houve qualquer tipo de reajuste automático e que, na verdade, a Resolução 183/2023 foi apenas uma atualização interna dos valores, com base no salário dos ministros do STF. Parece uma solução conveniente, onde a justificativa para o aumento de salários se esconde sob um manto de “normalidade” que, no fim das contas, só beneficia uma pequena parcela dos servidores. Afinal, se o STF é o parâmetro, quem mais poderia se opor? O problema é que, enquanto o presidente do TCE-MS afirma que está tudo em conformidade com as normas, o Ministério Público Estadual aponta uma falha grave: salários de servidores públicos só podem ser alterados por meio de lei específica, e não por uma resolução interna, o que torna esse aumento questionável, no mínimo.

A resolução do TCE-MS tem sido defendida como parte de um processo contínuo de atualizações de valores, mas nada disso parece fazer sentido quando olhamos para a realidade das finanças públicas e as alegações de que os aumentos não foram fundamentados em uma legislação apropriada. O Ministério Público, ao lado do advogado André Francisco Cantanhede de Menezes, que protocolou a ação popular para suspender esses reajustes, alega que a prática é ilegal e fere diretamente a Constituição Federal. Afinal, a própria Constituição afirma que qualquer alteração na remuneração dos servidores públicos precisa ser feita por meio de uma lei, aprovada pelo Poder Legislativo, e não por uma mera resolução de um órgão autônomo.

Mas, claro, o TCE-MS não se intimida com essas críticas. A justificativa de que os valores são ajustados com base em um parâmetro de alto prestígio, como o do Supremo Tribunal Federal, parece ser suficiente para calar qualquer oposição. A palavra “boa-fé” também entra em cena, como se a simples alegação de que os conselheiros receberam os valores de boa-fé fosse uma solução mágica para sanar qualquer problema legal. Essa “boa-fé” fica ainda mais evidente quando o presidente Kayatt afirma que os conselheiros não receberam acima do teto constitucional, ignorando convenientemente as distorções causadas pelos diversos “penduricalhos”, como gratificações e adicionais que mais do que dobram os salários dos integrantes do TCE-MS.

A atitude de Kayatt em afirmar que tudo está sendo feito de forma transparente, com holerites publicados no portal da transparência, também parece mais uma tentativa de encobrir a verdadeira questão: o aumento não foi realizado de

acordo com as normas legais que regem a administração pública. Mesmo que os valores sejam divulgados, o procedimento por trás da sua concessão continua sendo o verdadeiro ponto de discórdia. O MPE, por sua vez, reforça que a alteração dos subsídios deve ser feita exclusivamente por lei, em respeito ao princípio da legalidade, o que elimina a via administrativa como solução para reajustes tão vultuosos.

E o mais irônico de tudo isso é a postura do TCE-MS diante da situação. Em vez de tratar essa questão com a seriedade que ela exige, o presidente do tribunal simplesmente defende que, ao longo dos anos, os conselheiros do TCE-MS receberam os aumentos de boa-fé, como se isso fosse suficiente para justificar as enormes discrepâncias entre o que é legal e o que é praticado. Afinal, qual a diferença entre um aumento de salário legalmente estabelecido e um aumento feito à margem da lei, mas “justificado” por uma suposta boa intenção?

Em uma tentativa de resolver o impasse, Kayatt já enviou um projeto de lei à Assembleia Legislativa para legalizar esses reajustes. Isso, é claro, depois de a ação popular questionar a legalidade dos aumentos na Justiça. A estratégia é clara: aprovar um projeto de lei que ratifique o que já está em prática e evite que o caso se arraste mais tempo nos tribunais. Isso parece uma solução rápida para um problema que, na verdade, é bem mais complexo do que simplesmente aprovar uma nova legislação para “regularizar” o que foi feito sem a devida autorização legal.

A proposta do TCE-MS de regularizar os reajustes através de uma lei não resolve a questão do precedente aberto, que foi uma violação clara ao processo legal. O que se vê aqui é um jogo político onde os conselheiros e o presidente do TCE-MS tentam garantir sua remuneração de forma apressada, sem se preocupar com as implicações jurídicas e legais das suas ações. O mais surpreendente é como as resoluções internas parecem ser usadas como “passaportes” para decisões de tamanha magnitude.

Por fim, o que fica evidente é que o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, com seu aumento de salários e a argumentação por trás de suas resoluções, está tentando transformar um erro grosseiro em algo rotineiro. Se o Supremo Tribunal Federal pode, por que não eles? O que não fica claro é como se pode defender uma “atualização” de salários que, além de ilegal, ainda é sustentada por um discurso vazio e recheado de eufemismos. Enquanto isso, a população fica na expectativa de uma gestão mais responsável, que respeite os limites da lei e da ética.

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