Na política, discursos bonitos muitas vezes encobrem realidades brutais. No caso da jornalista Vanessa Ricarte, assassinada pelo ex-noivo após pedir ajuda ao poder público, a diferença entre a retórica e a prática ficou escancarada. Uma semana antes do feminicídio, a prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), exaltava o trabalho da Patrulha Maria da Penha. “Excelente”, classificou ela. Mas, na hora em que uma mulher precisou desse serviço para sobreviver, a resposta foi o descaso.
Vanessa enfrentou dias de terror dentro da própria casa. O agressor se recusava a sair e, sem alternativas, ela buscou socorro na Casa da Mulher Brasileira. O que recebeu em troca? Indiferença e burocracia. Em áudio enviado a uma amiga, a jornalista relatou que a delegada da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) foi fria, seca e sequer permitiu que ela explicasse sua situação por completo.
A orientação? Mandar uma mensagem para o agressor pedindo que ele saísse de casa. Como se um pedido formal fosse suficiente para deter um homem violento. Vanessa ainda tentou retirar seus pertences com a ajuda de um amigo. O resultado foi trágico: assassinada a facadas pelo ex-noivo.
Segundo o Ministério das Mulheres, a Patrulha Maria da Penha deveria ter garantido escolta para que a jornalista pudesse sair de casa em segurança. Para isso, o Governo Federal enviou R$ 808 mil em 2023. Mas de nada adiantam recursos se a estrutura falha onde mais importa: na proteção às vítimas.
Enquanto a vida de Vanessa era ameaçada, Adriane Lopes celebrava os 10 anos da Casa da Mulher Brasileira. Enalteceu o serviço, vangloriou-se do trabalho e discursou sobre prevenção. Mas prevenção não existe sem ação. E quando uma mulher que pedia socorro foi ignorada, a gestão municipal fez o que sabe fazer melhor: silêncio.
Depois do feminicídio, a prefeita gravou um vídeo lamentando a morte de Vanessa. Mas não se pronunciou sobre a falha da Patrulha Maria da Penha. Nada foi dito sobre a ausência da escolta. Nenhuma palavra sobre a postura da DEAM. A morte da jornalista virou apenas mais uma estatística no discurso vazio das autoridades.
Quantas mulheres mais precisarão morrer para que a propaganda dê lugar à realidade? Não são discursos em eventos solenes que protegem vidas, mas sim um sistema que funcione quando uma vítima bate à porta pedindo ajuda.
O caso de Vanessa não é uma fatalidade. É uma consequência. Consequência da omissão, da negligência, da falta de compromisso com aquilo que se vende como “excelente”. Consequência de um sistema que elogia a si mesmo enquanto falha com quem mais precisa. Consequência de uma gestão que, na hora de agir, prefere se calar.
Para Vanessa, a proteção prometida nunca chegou. Para outras mulheres, a esperança é que esse crime sirva de alerta. Mas será que servirá?