Prefeitura ignora lei e adia enfrentamento de grave problema social

Em Campo Grande, a Prefeitura parece ter encontrado uma solução inovadora para o problema da população em situação de rua: fingir que ele não existe. Mesmo com duas cobranças formais do Ministério Público pedindo esclarecimentos sobre o censo e a elaboração de um diagnóstico socioterritorial, a Secretaria de Assistência Social (SAS) preferiu o mais absoluto silêncio administrativo. E quando responde, é com frases de efeito, números genéricos e citações de estudos para justificar a inércia.

Enquanto a cidade assiste à explosão de pessoas dormindo nas calçadas, pedindo esmolas nos semáforos e se amontoando em canteiros de avenidas, a SAS garante que está tudo sob controle, afinal, o CadÚnico serve como base e, segundo um estudo de Marco Antônio Carvalho Natalino (2024), a população de rua, conforme os números do Cadastro Único, é “adequado”. Só esqueceram de avisar que o CadÚnico não substitui o censo previsto por lei, nem é capaz de orientar políticas públicas locais com o detalhamento necessário.

Desde 2020, uma lei municipal obriga a realização de um censo bianual sobre a população em situação de rua. Até agora? Nada. A gestão Adriane Lopes prefere agir como se a legislação fosse opcional e como se planejamento social fosse mera gentileza. Enquanto isso, o Centro POP, que deveria acolher com dignidade essas pessoas, foi flagrado em condições precárias, com banheiros sujos, sem acessibilidade e estrutura caindo aos pedaços.

A SAS se gaba de um “acolhimento 24 horas” com equipes multidisciplinares, mas não consegue explicar como pretende traçar políticas eficientes sem saber com precisão quem são essas pessoas, onde estão, quais são suas vulnerabilidades e quais recortes precisam de atenção especial. Falam em reuniões com comerciantes e moradores, o que mais parecem ser reuniões de contenção de danos políticos diante do caos urbano que já transbordou pelas ruas da cidade.

A população, por sua vez, já cansou de assistir a essa cena. Comerciantes da região central relatam todos os dias a presença de acampamentos improvisados em frente às lojas, sujeira, lixo, celulares quebrados e objetos espalhados pelas calçadas. A Travessa Pimentel, o Bairro Cabreúva, a Orla Morena e a Vila Planalto já são territórios tomados pela ausência do poder público e pela presença visível da omissão.

A cidade está criando guetos urbanos invisíveis para as estatísticas, mas escancarados na realidade, onde a dignidade humana vai sendo substituída por improviso, abandono e hipocrisia institucional. Não há estratégia, não há planejamento — apenas frases genéricas e a insistente tentativa de apagar um problema com tinta de PowerPoint.

A SAS alega que está “discutindo” a implantação de um censo. Discutindo desde quando? Com quem? Quantas reuniões são necessárias para obedecer a uma lei sancionada há quatro anos? A impressão que fica é que quanto mais se fala em “acolhimento”, menos se age, e mais a rua se transforma em morada permanente para quem já perdeu quase tudo.

Enquanto o MP cobra respostas, a Prefeitura se refugia no conforto da omissão, como quem espera que a poeira assente sozinha. Só que a poeira aqui tem nome, rosto, fome, vício, dor, e está jogada no asfalto da cidade.

No fim das contas, a gestão municipal parece ter feito sua escolha: em vez de enfrentar o problema com seriedade, prefere administrar a indiferença. Porque, aparentemente, quando a cidade vira dormitório a céu aberto, o único plano em ação é o de quem finge que não vê.

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