Campo Grande, a capital do improviso

Enquanto Campo Grande cresce sem freio e sem rumo, a 42ª Promotoria de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul tenta, com o rigor que lhe cabe, ligar o farol alto no caos do planejamento urbano da capital. A instauração de um inquérito civil para investigar as irregularidades no controle da densidade populacional e na emissão das Guias de Diretrizes Urbanísticas (as famosas GDUs) é mais do que oportuna — é essencial para estancar o avanço da desordem institucionalizada que parece orientar o crescimento da cidade.

Baseado no estudo técnico do engenheiro Thiago Winter Macinelli, o Ministério Público aponta o óbvio que a administração municipal insiste em não ver: Campo Grande adensa onde não devia, esvazia onde mais precisava de gente e empurra a população para a periferia, sobrecarregando serviços públicos e degradando ainda mais o tecido urbano. O que era para ser uma capital moderna se comporta como um loteamento improvisado.

Um dos alvos principais é a chamada Macrozona 1 (MZ1), eleita pelo Plano Diretor para ser o coração do crescimento populacional e da infraestrutura otimizada. Mas, entre 2010 e 2022, em vez de atrair moradores, essa área estratégica perdeu quase 13% de sua população. Enquanto isso, os bairros periféricos incham sem estrutura, sem transporte, sem escola e, claro, sem planejamento.

A razão? Terrenos mais baratos nas franjas da cidade e ausência de uma política habitacional que realmente dialogue com a lógica urbana. O resultado é um festival de improvisos: moradores cada vez mais longe dos centros de serviço, imóveis desocupados nas áreas centrais e um crescimento que só favorece quem lucra com a especulação imobiliária.

Mas não para por aí. A cereja do bolo está na opacidade da gestão. O MPMS constatou que as GDUs e os Termos de Compromisso firmados com empreendedores — documentos que deveriam ser públicos — estão sendo escondidos sob sete chaves. Nada no site da prefeitura. Nenhum acesso fácil aos dados. Nada que permita ao cidadão saber se os empreendimentos respeitam o mínimo de contrapartida social e ambiental.

Como se não bastasse, a promotoria ainda apontou um problema gravíssimo: a omissão quanto à análise de impactos cumulativos. Ou seja, avaliam-se empreendimentos isoladamente, ignorando que vários prédios subindo juntos numa mesma região (como no Jardim Veraneio e Carandá Bosque) podem colapsar a infraestrutura, travar o trânsito, sobrecarregar esgoto e energia, e transformar o entorno em um pesadelo urbano.

O mérito da apuração do Ministério Público não está apenas no conteúdo técnico do inquérito, mas no seu papel de freio institucional diante de um poder público que parece dirigir no escuro, sem mapa, sem bússola e — pior — sem prestar contas a ninguém. Enquanto isso, a Planurb segue distribuindo GDUs como quem carimba entrada em parque de diversões.

A prefeitura de Campo Grande foi devidamente notificada e, agora, caberá à gestão Adriane Lopes apresentar explicações. A sociedade espera mais do que

planilhas e promessas: espera respeito ao espaço urbano, à sustentabilidade e, principalmente, à inteligência coletiva que deveria reger qualquer cidade que se diz planejada.

A cidade pede ordem. O Ministério Público, felizmente, atendeu. Agora falta a prefeitura responder — e não com mais silêncio e concreto.

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