Salário gordo e moral magra em Campo Grande

Em mais um capítulo da novela “Quem Quer Ser Milionário?”, a prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), se viu envolvida em uma disputa judicial digna de um enredo de ficção. Tudo começou quando ela decidiu barrar um generoso reajuste que elevaria seu próprio salário para a modesta quantia de R$ 41.845,48, tornando-a a prefeita mais bem paga do Brasil.

Adriane, que até então não se opôs ao aumento aprovado pela Câmara Municipal, resolveu bancar a defensora do bom senso e alegar que a medida seria inconstitucional. Afinal, que absurdo seria uma prefeita recebendo um salário superior ao de seus colegas de outras capitais, quando há tantas prioridades na cidade?

Porém, seu repentino ataque de moralidade não foi bem recebido pelos auditores fiscais do município, que rapidamente entraram na briga. Afinal, se tem alguém que sabe calcular benefícios e perdas salariais, são eles. Com a inflação como melhor amiga, alegaram que tiveram uma defasagem de 95,42% desde 2013 e, por isso, nada mais justo do que um reajuste que os coloque de volta na trilha do bom e velho enriquecimento funcional.

Para piorar a situação, a Justiça suspendeu o processo principal, pois o Supremo Tribunal Federal ainda precisa dar a palavra final sobre a constitucionalidade do aumento. Enquanto isso, a votação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) foi um verdadeiro show de indecisão: seis desembargadores votaram a favor da suspensão, mas como era preciso oito votos para uma decisão definitiva, o caso foi reaberto. E lá se vão mais algumas rodadas de reuniões, pareceres e discussões altamente produtivas (para quem está esperando receber o reajuste).

No meio da confusão, a Câmara Municipal apareceu como heroína dos aumentos salariais e garantiu que os cálculos do impacto financeiro já estavam feitos. Segundo a nobre instituição, o reajuste representaria um custo singelo de R$ 3,2 milhões na folha de pagamento. Um troco de pinga para um município que vive sem problemas de infraestrutura, educação e saúde, não é mesmo?

Enquanto isso, a prefeita segue sua cruzada pelo reconhecimento público como a administradora que tentou barrar um aumento salarial que, ironicamente, lhe beneficiaria diretamente. Um dilema digno de novela mexicana: a protagonista se vê forçada a lutar contra um privilégio do qual é personagem principal.

O relator do processo, desembargador Odemilson Roberto Castro Fassa, aguarda agora o parecer do Ministério Público de Mato Grosso do Sul para tomar uma decisão definitiva. Mas até lá, a cidade segue assistindo ao embate entre interesses próprios e discursos moralistas de ocasião.

O mais curioso é ver o sindicato dos auditores fiscais usando a inflação como argumento para justificar seus reajustes. Afinal, se o salário mínimo subiu 144,05% em 12 anos, por que não aplicar a mesma lógica aos vencimentos dos servidores de elite? Um pensamento brilhante que, claro, só se aplica quando o aumento favorece determinados grupos.

Agora, resta esperar que o STF decida se Campo Grande terá ou não a prefeita mais bem paga do país e se os servidores municipais sairão vitoriosos nessa luta pelo direito divino de manter seus padrões de vida elevados. Enquanto isso, a população segue se perguntando: e o reajuste no atendimento básico, na segurança pública e na educação, quando vem?

Se há algo que essa história ensina, é que, no Brasil, a matemática financeira sempre favorece quem sabe fazer as contas certas. E, curiosamente, essas contas nunca incluem o bem-estar do cidadão comum.

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