Se a defesa da prefeita Adriane Lopes (PP) queria afastar a pecha de compra de votos nas eleições de 2024, talvez fosse melhor ter ficado em silêncio. Ao afirmar, com todas as letras, que a prefeita “não anuiu” nem “tinha conhecimento” das práticas que, supostamente, garantiram sua reeleição, os advogados conseguiram um feito raro: deram o nó e ainda entregaram a corda.
A tese central da defesa é quase uma peça de ficção com pretensões jurídicas. Admitir a possibilidade de crime eleitoral — “ainda que se admita a existência de qualquer irregularidade”, dizem os causídicos — e, ao mesmo tempo, alegar desconhecimento por parte da beneficiária direta do ato é como encontrar dinheiro na cueca e alegar que alguém a vestiu por engano.
É importante ressaltar: a defesa não negou a existência dos famigerados Pix enviados por assessores e cabos eleitorais. Também não se preocupou muito em rebater os vídeos e comprovantes bancários juntados ao processo. Preferiu repetir o bordão: “não há prova de que Adriane sabia”. Ah, bom. Então é isso. Se ela não sabia, está tudo certo. Alguém distribuiu dinheiro para comprar votos, ela venceu a eleição com a ajuda disso, mas como ela não assinou nenhum recibo, segue o baile.
Aliás, a própria Simone Bastos Vieira, funcionária comissionada da prefeita e dona de um salário camarada de R$ 5,3 mil, foi apontada como operadora dos repasses via Pix. Mas como Simone provavelmente não usava uniforme com logotipo da prefeitura e não deixou nenhuma carta de intenção assinada, a prefeita segue, aos olhos de sua defesa, como uma vestal inocente em meio a um festival de irregularidades.
O mais curioso (e irônico) é que a defesa, ao tentar inocentar Adriane, acaba admitindo o crime. Ou seja, se não foi a prefeita, então alguém comprou voto sim. Só esqueceram de combinar com o Código Eleitoral que beneficiário direto do crime também é responsável — mesmo que alegue estar assistindo novela no momento do delito.
A narrativa beira o cômico: “houve compra de votos, mas ninguém viu, ninguém sabe, ninguém pode provar que a prefeita tinha ciência”. A esta altura, falta só alegarem que as transferências Pix foram feitas por engano, talvez em algum tipo de rifa beneficente ou vaquinha de aniversário de servidor.
O Ministério Público Eleitoral, esse sim com um pouco mais de seriedade, viu motivo suficiente para pedir a cassação da prefeita e de sua vice, Camilla Nascimento. Mas o juiz de primeira instância achou tudo muito “confuso” e preferiu manter as coisas como estão. A defesa agora batalha no TRE para garantir que o silêncio continue sendo a melhor estratégia de governo.
Enquanto isso, a prefeita, como de praxe, finge que nada está acontecendo. Os jornais amigos seguem ignorando solenemente o processo, como se fosse um espirro discreto no meio da missa. A imprensa oficialista, que outrora berrava por escândalos com muito menos provas, agora adota o silêncio monástico.
Seja como for, a mensagem da defesa é cristalina: compra de votos? Pode até ter tido. Mas a patroa não sabia de nada, tá bom? E se ela não sabia, é quase como se não tivesse acontecido. O resto é detalhe técnico — ou, como diria o folclórico Seu Madruga, “foi sem querer querendo”.