Corte na base e luxo no topo

Em tempos de crise, Adriane Lopes decidiu que o melhor caminho para equilibrar as contas públicas é mirar o corte no bolso de quem mais trabalha, afinal, cortar de cima dá mais trabalho e menos manchete. Em nome da “contenção de gastos”, a chefe do Executivo municipal pediu à Justiça autorização para cortar as gratificações de profissionais da enfermagem e guardas municipais que atuam em locais de difícil acesso. Porque, na cabeça dela, o sacrifício deve sempre vir de baixo — dos que estão na ponta, enfrentando os buracos da cidade, a violência e o colapso na saúde.

O argumento da prefeitura é que o decreto nº 16.203/2025 precisa ser cumprido com rigor para “evitar prejuízos ao erário”. Mas o detalhe é que, quando se trata de contratos com empreiteiras, a caneta da prefeita parece mudar de tinta. Enquanto corta até 60% dos salários de servidores, Adriane autorizou um reajuste de 24,9% em contratos milionários com empresas de iluminação pública. Sim, quase o teto permitido por lei. Contenção seletiva é o nome disso?

O procurador municipal chegou a dizer, nos autos, que os servidores correm o risco de terem que devolver o que receberem por liminar. É o típico “terrorismo jurídico” que tenta pintar o corte como uma medida protetiva. Protetiva de quem? Do servidor que anda de colete vencido e trabalha em bairros esquecidos? Ou das empresas que nunca veem seus contratos reduzidos?

A cereja do bolo é a justificativa de que o município “já opera no limite dos gastos com pessoal”. Ora, se está no limite, por que não cortou comissionados, assessorias fantasmas e consultorias que ninguém sabe exatamente o que fazem? Se há algo que a atual gestão domina, é o manual da austeridade invertida: aperta o pescoço da base e massageia os ombros do topo.

Enquanto isso, os sindicatos da enfermagem e da guarda tentam evitar, na Justiça, que os trabalhadores sejam ainda mais penalizados. Porque, convenhamos, trabalhar em regiões de difícil acesso sem o mínimo de compensação é quase um convite à desistência. E como não bastasse o arrocho, agora o recado é claro: se quiser trabalhar pelo povo, vai ter que pagar do próprio bolso.

Na prática, quem mantém a cidade em funcionamento está sendo tratado como um custo supérfluo. Já quem fatura com contratos gordos, permanece sob proteção divina — ou, ao menos, municipal. A lógica da gestão Adriane é simples: cortar onde dói no povo e manter onde agrada aos parceiros.

O mais curioso é que a prefeita não deu uma palavra pública sobre os cortes. A justificativa foi empacotada num parecer técnico e enviada aos autos com frieza burocrática. Nada de coletiva, nada de prestação de contas à população. Talvez porque seja difícil explicar como se corta salário de enfermeiro enquanto se infla contrato de iluminação pública.

Campo Grande vive um momento de inversão de valores. Em vez de cuidar de quem cuida, a gestão prefere empurrar esses profissionais para a exaustão. E tudo isso em nome de uma “economia” que, se fosse de verdade, começaria nos gabinetes, não nas trincheiras do serviço público.

Se contenção de gastos é realmente prioridade, que comece por onde há gordura. Porque tirar do salário de quem trabalha nas pontas da cidade, enquanto mantêm contratos no topo intocados, não é ajuste fiscal, é crueldade.

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