Se tem algo que Campo Grande está a exportar com excelência, é o talento para fazer gestão pública virar roteiro de tragédia farsesca. O episódio mais recente envolve a destruição de milhares de prontuários médicos no Caps do Aero Rancho. E, claro, uma secretária de Saúde que resolveu brincar de relações públicas, ignorando solenemente que está no meio de uma investigação policial.
Rosana Leite, a titular da Sesau, talvez tenha confundido o DenaSUS com algum grupo de turismo institucional. Foi às redes sociais para dizer que recebeu os técnicos “para dialogar sobre melhorias”. Pena que o motivo da visita era outro: investigar o desaparecimento criminoso de arquivos médicos que deveriam ser mantidos por, no mínimo, 20 anos. Sim, vinte. E não, eles não foram digitalizados.
A realidade, exposta com toda clareza no site oficial do Ministério da Saúde, é que a presença do DenaSUS foi motivada por uma auditoria aberta após denúncia da Defensoria Pública. Rosana, no entanto, preferiu distorcer tudo com um filtro de Instagram e frases motivacionais. A frase “seguimos firmes na missão” só faltou vir acompanhada de emojis e trilha sonora de comercial de plano de saúde.
A coisa piora. Na coletiva de imprensa, a secretária disse que o Ministério Público já havia arquivado o caso. Meia verdade. O MPE instaurou apenas uma “Notícia de Fato”, recebeu a resposta singela da Sesau dizendo que “ninguém viu nada” e arquivou sem nem abrir inquérito. Quem não engoliu essa desculpa esfarrapada foi a Defensoria, que remeteu tudo ao DenaSUS e impulsionou a operação policial que agora sacode os bastidores da saúde pública.
A operação “SOS Caixa Preta”, conduzida pelo Dracco da Polícia Civil, mostrou que tem mais gente preocupada com o que realmente importa. Buscas e apreensões foram feitas na unidade do Caps e nas casas de servidoras. O objetivo: localizar qualquer vestígio do que sobrou dos documentos picotados como se fossem panfletos de campanha vencida.
E por falar em documentos, Rosana Leite garantiu que os prontuários estavam digitalizados. Mentira desmentida com provas: os papéis foram destruídos antes da digitalização. Segundo testemunhos oficiais, a ordem veio da coordenadora Gislaine Budib. O motivo? Um suposto entendimento torto da legislação, como se fosse aceitável descartar documentos essenciais com base em interpretação criativa da lei.
E que ninguém venha dizer que foi acidente. A destruição foi meticulosa, com papel passado na trituradora e tudo. A ex-gerente do Caps confirmou a operação de “desmaterialização”, seguindo ordens superiores. O resultado: dados clínicos de pacientes vulneráveis jogados no lixo – literalmente ou quase isso.
Mas o mais escandaloso não é só a destruição em si, é o descaramento institucional. A secretária mente ao público, omite os fatos e tenta abafar o caso com um post nas redes. Ignora o Conselho Municipal de Saúde, que a avisou oficialmente em julho de 2023. Ignora o direito dos pacientes. E sobretudo, ignora que a saúde pública não é brinquedo.
Felizmente, temos a Polícia Civil, o DenaSUS e a Defensoria Pública para lembrar que o serviço público exige responsabilidade – coisa que falta à atual gestão. Que sirva de exemplo: quando os gestores brincam com a lei, a lei responde com mandado judicial.
E no meio desse teatro do absurdo, fica o agradecimento sincero a quem não se calou: aos conselheiros de saúde que fiscalizaram, à Defensoria que agiu, e à polícia que abriu a “caixa preta” que a Sesau tanto queria manter fechada.